terça-feira, 3 de abril de 2012

O QUOCIENTE E A INCÓGNITA

"Às folhas tantas do livro de matemática, 


um quociente apaixonou-se um dia doidamente por uma incógnita. 

Olhou-a com seu olhar inumerável e viu-a, do ápice à base. 

Uma figura ímpar olhos rombóides, boca trapezóide, 

corpo ortogonal, seios esferóides. Fez da sua uma vida paralela a 


dela até que se encontraram no infinito. 

"Quem és tu?" - indagou ele com ânsia radical. 

"Eu sou a soma dos quadrados dos catetos, 

mas pode me chamar de hipotenusa". 

E de falarem descobriram que eram o que, em aritmética, 

corresponde a almas irmãs, primos entre-si. 

E assim se amaram ao quadrado da velocidade da luz 

numa sexta potenciação traçando ao sabor do momento e da paixão retas, 

curvas, círculos e linhas senoidais. 

Nos jardins da quarta dimensão, 

escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidianas 

e os exegetas do universo finito. 

Romperam convenções Newtonianas e Pitagóricas e, enfim, 

resolveram se casar, constituir um lar mais que um lar, 

uma perpendicular. 

Convidaram os padrinhos: 

o poliedro e a bissetriz, e fizeram os planos, equações e diagramas


 para o futuro, 

sonhando com uma felicicdade integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones muito 


engraçadinhos 

e foram felizes até aquele dia em que tudo, afinal, vira monotonia. 

Foi então que surgiu o máximo divisor comum, 

frequentador de círculos concêntricos viciosos, 

ofereceu-lhe, 

a ela, uma grandeza absoluta e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, quociente percebeu que com ela não formava mais um todo,


uma unidade. 

Era o triângulo tanto chamado amoroso desse problema,
ele era a fração mais ordinária. 

Mas foi então que Einstein descobriu a relatividade 

e tudo que era espúrio passou a ser moralidade, 

como, aliás, em qualquer Sociedade ..."


Millôr Fernandes 

Nenhum comentário:

Postar um comentário